O Vaso Japonês

Outubro 24, 2024 by admin

Talvez você não conheça essa história, mas a verdade é que somos um vaso japonês.

Você lembra a primeira vez que “quebrou” em milhares de pedaços?

Eu sinto que quebrei pela primeira vez aos 11 anos. Um dia estávamos na festa junina da escola e no outro bruscamente o perdi em um acidente de carro.

Esse tipo de acontecimento reverbera para todo sempre, e a prova disso é que 28 anos depois a tristeza e o vazio seguem eternos.

Hoje é aniversário do meu pai. Ahhh as datas, para que elas servem? Para que você comemore por ter, ou sinta-se péssima por tudo aquilo que você não pode ter.

Mas teve, mesmo que por um período curto você teve. Vamos focar nisso para entender o vaso japonês.

O luto é algo eterno. Muitas pessoas falam da série “The Bear” e só falam sobre o caos na cozinha…. Ao assistir eu enxergo o caos do luto. O quanto saímos devastados e o quanto uma peça sempre estará faltando. O tanto que depois disso seremos quebrados pra sempre.

Mas então por que continuamos aqui após cada vez que quebramos mais e mais? Porque ficar se perdemos aqueles que mais amamos?

E com o luto vem as memórias mais frescas como foi a perda da minha vó esse ano, como as memórias mais distantes como o aniversário do meu pai que já morreu há 28 anos. É um buraco e um looping de lembranças, saudades e tristeza. As datas. É vivenciar tudo de novo. É doloroso.

É complicado, Minha vó morreu dia 30/06. Dia 26/07 dia dos avós, dia 01/08 seria seu aniversário de 95 anos. Mas não foi. Aí temos mais uma data amarga de engolir na qual não se tem motivo pra comemorar. Ok, um pequeno respiro e 24/10 aniversário do meu pai, dia 01/11 finados e esses dias pesados voltam quebrando pedaços de novo.

Sim, vaso japonês.

Tem uma carta do Tarot que se chama 5 de copas, nessa carta observe que temos uma pessoa cabisbaixa olhando para as taças derramadas e atrás dela tem taças em pé.

Coincidência ou não, essa é a carta do Luto.

Ao ver as taças da vida temos muitas caídas… e olhamos para elas com pesar… mas olha atrás o que temos.. as taças em pé.

Elas são a nossa cola.

Elas são a nossa força.

Elas são o motivo de continuarmos.

São as taças que juntam todos nossos caquinhos, cada vez menores pois a cada perda nos quebramos mais.

O que seríamos de nós sem essas taças em pé?

A história do vaso japonês que quebra e é colado e em cada pedaço reparado se coloca um ouro à mistura. Eles ressignficam aquele objeto ao invés de jogar fora. E muitos acham até mais valioso justamente por suas rachuras douradas contarem uma história. A valorização do desgaste do uso, a aceitação da imperfeição.

Mas deixa eu te contar a minha visão sobre isso…

O vaso quebrado não é valioso por que quebrou e foi colado novamente.

Ele é valioso porque apesar de estar em cacos, sempre há alguém que com muita paciência e amor, junta cada pedacinho para colar novamente.

Ele é valioso para quem cola, porque um vaso quando quebra pensa que é o fim. Ele tem certeza que seu destino é o lixo, e que jamais voltará a ser inteiro novamente.

E por mais vezes que ele quebre (porque quando ele quebra os pedaços que já estavam quebrados quebram de novo, e de novo), e por menores que fiquem seus estilhaços…Enquanto houverem pessoas que gostem e que queiram manter esse vaso, de não desistir por mais imperfeições que ele tenha… De alguma maneira mesmo sem entender o por que ele será colado.. ele vai voltar a ser um vaso novamente.

E cada rachadura que é encontrada no vaso japonês, das suas partes quebradas, estão cobertas com essa mistura de cola e pó de ouro…

Essas rachaduras douradas, estão ali não apenas para lembrar que ele quebrou, e sim porque um dia esse vaso foi inteiro, aquele vaso teve aquela alegria na vida… mas também para te lembrar quantas e quantas vezes seus minúsculos caquinhos foram juntados (mesmo que a pessoa cortasse a mão) por todas as suas taças que estão de pé..

Obrigada a todas as minhas taças em pé, por sempre estarem juntando meus caquinhos e colando tudo de novo, e de novo na maior paciência do mundo. Eu amo vocês.

Esse texto foi escrito com a minha alma, e se você está em cacos hoje, espero que você sempre tenha alguém que sempre queira te ter como vaso japonês.

Bisous,

Paleomadame